sábado, outubro 28, 2006

um abandono desordenado...


AUSÊNCIA
(adaptação)

Vinícius de Moraes


Eu deixei que morresse em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces, porque nada pude lhe dar, senão a mágoa de me veres eternamente exausta.

No entanto, a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida, e eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz. Mas não te quero ter porque sei que em meu ser tudo estaria terminado. Queria só que fugisse de mim como fé nos desesperados, para que eu pudesse levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.

Eu deixei... tu fostes e encostastes tua face em outras faces. Teus dedos enlaçaram outros dedos e tu desabrochastes para a madrugada. Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui a grande íntima da noite. Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi tua fala amorosa. Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.

E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado. Eu fiquei só, como os veleiros nos pontos silenciosos. Mas te possuí como ninguém, porque pude partir. E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas, serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.



segunda-feira, outubro 23, 2006

Noite enluarada...


A Lua

MPB4


"A lua, quando ela roda,
é nova, crescente ou meia lua,
é cheia, e quando ela roda,
minguante e meia,
depois é lua novamente...

A lua, quando ela roda,
é nova, crescente ou meia lua,
é cheia, e quando ela roda,
minguante e meia,
depois é lua nova

Mente quem diz, que a lua é velha,
mente quem diz que a lua é velha,
mente quem diz que a lua é velha,
mente quem diz..."


quinta-feira, outubro 19, 2006

Tentações...


Pecado


Ah que saudade
de sentir o mel de teu ósculo...
o aroma estonteante de tua essência.
O suor do teu corpo,
a ardência do meu,
dos momentos mais humanos
de minha existência.

Humanos pelas imagens,
o cheiro, o tato, o paladar...
sentidos que se revelam,
se aguçam,
se embaralham
e se entregam;
que aos poucos,
nos permitem sonhar...


Dolores Puga Alves de Sousa




terça-feira, outubro 17, 2006

Muito prazer... eu sou um cachorro...




CRACHÁ NOS DENTES

Lígia Fagundes Telles

"Começo por me apresentar: eu sou um cachorro. Que não vai responder a nenhuma pergunta, até porque eu não sei as respostas. Sou um cachorro, basta.

Tantas raças vieram a desaguar em mim, como afluentes de rios, se perdendo e se encontrando, no tempo e no espaço. Mas qual dessas raças veio a desaguar na soma? Não sei. Melhor assim; permaneço na superfície, sem me indagar da raiz. Agora não.

Aqui onde me encontro, passo quase despercebido em meio aos outros que também levam seus crachás dependurados no pescoço. São como rótulos das garrafas de uísque, que ninguém lê com muita atenção. Estão todos muito ocupados pra se interessar por um próximo que é único e múltiplo, apesar da identidade.

Às vezes eu fico raivoso, meu pêlo se eriça, eu fico rangendo, ganindo. Eu quero fugir, morder... mas essas fases de cachorro louco passam logo. Então eu componho o peito, conforme ouço meu treinador dizer. Confesso que não sei o que consiste essa idéia central de “compor o peito”... mas é isso que eu faço quando desconfio que não estou agradando: eu componho o peito e volto à normalidade de um cachorro doce e manso.

O dono do circo: um hábil treinador de roupas vermelhas e botões dourados, acabou por me ensinar muitas coisas, tais como falar ao telefone, fazer piruetas, dançar. Quando eu resisto, ele vem queimar as minhas patas dianteiras com a ponta do cigarro aceso. Percebe de longe que estou vacilando na posição vertical, vem correndo e queima as patas transgressoras, até fazer aqueles furos. Então me posiciono, e saio andando com meu saiote de tulhe azul.

Mas fui humano quando me apaixonei... virei um mutante, enquanto durou minha paixão: abrasadora e breve. Tentei esconder as pequenas coisas da minha fase canina, que não eram muitas; apenas minha coleira, meu osso, e o saiote das noites de gala.

Olhei de frente pro sol! Devo confessar que varava salivando de medo aqueles imensos arcos de fogo. Penso que todo aquele fogo, agora, estava dentro de mim! Dentro do meu coração! Eu estava flamejante! ... Mas acho que flamejei demais... e meu amor que parecia feliz acabou se afastando. Era um amor frágil, assustadiço.

- “Vem comigo!” Eu queria gritar, mas só sussurrava. Passei então a falar baixinho, escolhendo as palavras; mas meu amor só se afastava, a medida que crescia meu desejo.

- “É que estou amando por toda uma vida!” Eu devia ter dito, mas me contive. Era incrível como via aquele corpo que se fechava... virou uma concha! – “Não me abandone! Não me abandone!” Cheguei a implorar no nosso último encontro. Passei então a escrever-lhe cartas tão ardentes... cheguei a repetir o mesmo texto em diversos telegramas: “Imenso e inextinguível amor!”

Era noite quando fiquei só. Fui até a janela do meu quarto e olhei a lua, com sua face de pedra esclerosada. Abracei com tanta força a mim mesmo, e perguntava: “Onde? Onde?” Fui até a larga cama branca; ali onde tantas vezes nos amamos, tanto fervor, agora aquele frio... procurei pelas cobertas, pelo travesseiro... onde?

E a busca desesperada continuou no sonho. Sonhei que escavava a terra. Acordei enlameado, aos uivos. Nem precisei ir até o espelho pra saber que virei, de novo, um cachorro...

Amanheceu. Peguei meu crachá nos dentes e voltei pro circo. O treinador me examinou um pouco e acabou por fazer um comentário engraçado... disse que eu estava ficando velho. De resto, tudo correu normalmente, como se não tivesse havido nenhuma interrupção.

Dei valor aos meus dedos, somente quando os perdi. Poderiam me servir agora para catar pulgas, ou coçar o ouvido, ou até mesmo para limpar o ranho do focinho quando estou resfriado. Com aqueles dedos eu toquei flauta! Mas nunca me masturbei... quando fui humano, nunca me masturbei, não é estranho?! Existem outras estranhezas também, mas não importa.

Aprendi a rezar; gosto muito de ouvir música e de olhar as nuvens... mas sou só um cachorro... e quando alguém duvida, eu mostro a palma das minhas patas queimadas."



domingo, outubro 15, 2006

15 de Outubro: dois lindos anos de namoro...




Por Dolores Puga Alves de Sousa



Eu queria um alguém que estivesse disposto a ser, estar e viver uma grande amizade. Que de tão grande, se tornasse uma cumplicidade, e, por haver cumplicidade, se respeita, se busca, se deseja, se ama...

Queria alguém assim, como você, que busca viver além das aparências; e um grande caso de amor, que fosse mais do que chama; fosse uma fogueira amiga que indicasse direção, como farol no caminho da vida, às vezes tão escuro.
Uma fogueira perene, onde cada um colocasse um graveto, mantendo sempre acesa a nossa paixão.

Queria um amor de rosto colado, de mãos dadas ao entardecer, de telefonemas inesperados, de corpos suados, de entrega... de "conte comigo", de "estou aqui", ... de muitas palavras, mesmo que em silêncio.

Queria um amor assim, com teu jeito, com teu sorriso, e você foi exatamente o que faltava em mim; eu fui aquilo que te completava...

Você ficou comigo, eu compreendi sua realidade, você sentiu minha alma, eu finalmente toquei seu coração...

"E eu que era triste, descrente desse mundo
ao encontrar você eu conheci,
o que é felicidade meu amor"

TE AMO!






sexta-feira, outubro 13, 2006

eis um violão...


Carta de Ramon








Dolores!

Não tive como dizer a você e ao seu irmão:

- Também sentirei muita saudade do seu Pai.

- Ele foi e sempre será muito importante na minha vida.

Perdi outro pai.

Há muitos e muitos anos, bem antes de você e seu irmão chegarem a este mundo, seu pai, por muitas vezes, fazia com que eu o sentisse não só um amigo, mas como irmão e pai.

Aprendi muito com com ele.

Meu amigo, meu irmão, às vezes meu Pai.

Irineu foi um ser humano que sabia lidar com a emoção das pessoas.

Ele tinha habilidade de conquistar e de fazer as pessoas gostarem dele.

Fazia isso com a simplicidade dos grandes Maestros.

Mesmo com seus defeitos, que todos nós temos, se eu pudesse, encheria este mundo de “Irineus”.

Há muitos anos, muitas vezes, com um violão na mão, ele sempre me fazia chorar, cantava uma das minhas músicas preferidas – Nunca – de “Lupicínio Rodrigues” - talvez! você nem conheça esta música...Talvez!

Nunca
Nem que o mundo caia sobre mim
Nem se Deus mandar
Nem mesmo assim
As pazes contigo eu farei
Nunca
Quando a gente perde a ilusão
Deve sepultar o coração
Como eu sepultei
Saudade
Diga a esse moço por favor
Como foi sincero o meu amor
Quanto eu te adorei
Tempos atrás
Saudade
Não se esqueça também de dizer
Que é você quem me faz adormecer
Pra que eu viva em paz.


Agora, “Nunca”, será do meu amigo: Irineu

Vivemos juntos, o que jamais viverei novamente.

Também morri um pouquinho.

Meu amigo jamais morrerá para mim, estará sempre vivo em nossos corações.

Homens bons não morrem.

Dolores!

Sinta sempre, você e seu irmão, muito orgulho de serem filhos do Irineu.

Fiquem com Deus.

Um grande beijo,

De um grande amigo do seu Pai,

Ramon”.


terça-feira, outubro 10, 2006

A vida pelo teatro...




Meus amigos da arte... amigos para sempre, amigos teatrais!!

"Tenho amigos que não sabem
o quanto são meus amigos.
Não percebem o amor que lhes
devoto e a absoluta necessidade
que tenho deles.
[...]
Alguns deles não procuro, basta-me
saber que eles existem.
[...]
Mas, porque não os procuro com
assiduidade, não posso lhes dizer o quanto
gosto deles. Eles não iriam acreditar.
[...]
Se alguma coisa me consome e me
envelhece é que a roda furiosa da vida não
me permita ter sempre ao meu lado,
morando comigo, andando comigo,
falando comigo, vivendo comigo, todos
os meus amigos e, principalmente, os que
só desconfiam ou talvez nunca vão saber
que são meus amigos.

A gente não faz amigos, reconhece-os
".

Vinícius de Moraes







segunda-feira, outubro 09, 2006

Os caminhos da História!!

Roger Chartier!!
Quem diria?! Eu e o famoso historiador francês da cultura?!


"[...] desviando a atenção das hierarquias para as relações, das posições para as representações"

...


" A apropriação [...] visa a uma história social dos usos e das interpretações, remetidas às suas determinações fundamentais e inscritas nas práticas específicas que as constroem. Dar, assim, atenções às condições e processos que, muito concretamente, fundamentam as operações de produção do sentido é reconhecer [...] que nem as idéias nem as inteligências são desencarnadas, e, contrariamente aos pensamentos universalistas, que as categorias dadas como invariantes [...] devem ser pensadas na descontinuidade das trajetórias históricas".


sexta-feira, outubro 06, 2006

A poesia mais bonita que eu já fiz!!!


Doces Olhos Verdes

Às vezes pego-me

embriagando no verde dos teus olhos.
Pequenas preciosidades
de teu ser.
Olhos expressivos,
de uma doce mistura,
meio mistério, meio ternura,
e um canto oculto de dor.
Mas por onde se esconde a mágoa,
eis que surge ao transcindir da alma,
um brilho intenso e radiante
como os olhos de um anjo.

É de um verde indescritível,
assim como a natureza.
Verde da esperança.
de ser um pouco criança,
que tem medo, mas aprendeu a confiar.
Olhos inquietos,
que transparecem dúvidas,
mas ao mesmo tempo mágicos,
pois têm o dom de acalmar.
Olhos acima de tudo insistentes,
capazes de transformar toda mágoa em saudade
e todo brilho na vontade
de viver cada vez mais.

Por essas razões,
satisfaço-me nesses momentos,
no simples encanto de te observar.
Embriago-me nos detalhes,
em que um instante se torna uma eternidade,
quando é possível te perceber,
te descobrir, me apaixonar...


Dolores Puga Alves de Sousa

quinta-feira, outubro 05, 2006

Uma singela homenagem de uma filha eternamente grata...


Homenagem à papai

Dolores Puga Alves de Sousa

Neste momento, existe apenas um vazio. Simplesmente não sei o que dizer. Poderia dizer, talvez como todos dizem, que meu pai foi um homem maravilhoso e que toda sua vida não foi em vão...

Embora ele tivesse seus defeitos, que todos temos, eu sei e muita gente sabe que ele foi sim, um homem de bom coração e um pai maravilhoso, apesar de qualquer angústia que tivéssemos.

Mas não era isso que eu queria dizer pra vocês e pro meu pai. Embora exista as generalizações, eu buscava resgatar quem ele realmente era. A sua personalidade. E eu penso que é assim que ele gostaria que fosse.

Irineu não era aquela pessoa que eu encontrei em Araguari, naquela quinta-feira do dia 17 de Agosto: frio; pálido. Preferi cativar um pensamento que começou com um simples comentário deste dia e que, de certa forma, trouxe o meu pai de volta em minhas lembranças; como ele era.

Ele deveria estar com muita raiva de ter ido embora daquela forma. Muita raiva. Porque eu o conhecia. E era como se eu visse meu pai dizer ao anjo que o tentava levar: “Que é isso? O que você está fazendo? Eu não posso ir embora desse jeito, não! Meu lugar ainda não é aí! Meu lugar é aqui! A minha vida ainda tá muito confusa pra eu ir embora desse jeito!... Eu já falhei com meus filhos antes; não quero falhar de novo!

Ainda preciso puxar a orelha do meu filho, porque eu soube que ele tá de colesterol e pressão alta, não está se alimentando direito e anda passando mal. Eu preciso ver como a minha filha está. Eu não posso deixar ela sozinha... ela é sensível demais; não vai agüentar".

E, de repente, era como se aquele anjo o fizesse entender que o sofrimento pra ele não existia mais... E que ali onde ele estava, estava muito bem. Explicou que a única coisa que deveria fazer era aprender a perdoar algumas pessoas que passaram em sua vida; e alguns de seus irmãos, pra que sua família tivesse um pouco de união.

E ele entendeu. Entendeu que ao lado de meu avô e de minhas avós ele teria a paz necessária pra conseguir olhar e proteger todas as pessoas que o amavam e que hoje choram, não mais de tristeza, mas de uma saudade boa. Poderia, sempre que quisesse, visitar meu irmão e eu em nossas lembranças, nas pequenas coisas que deixou... a pipa grande, o violão, minhas cartinhas de criança, suas fotos....

E antes que percebesse, meu próprio pai tinha se transformado em um anjo. Um anjo de luz.

Essa é a mensagem que eu realmente gostaria de dizer a vocês e a meu pai. E terminar de um modo que não poderia ser diferente: nós te amamos muito pai... que você fique com Deus e que descanse em paz.

Obrigada.




quarta-feira, outubro 04, 2006




EU


Eu, que podia ter tudo que queria,

Vigiava o mundo pela minha fantasia,

Sonhava, mas fazia acontecer.

Eu, que já passei tanto tempo tentando

Admirar o belo das coisas reais.

Encontrava a beleza somente nas coisas tristes

Coisas do meu mundo de sonhos

O mundo de coisas banais.

Logo se vê que não se trata do mesmo mundo,

Aquele em que costumava vigiar.

Eu, que agora possuía a certeza,

Precisava somente me encorajar.

Me encorajar é encarar,

Me encorajar é me intrometer,

Me encorajar é muitas vezes

Deixar de ser eu, pra ser você,

Pra entender.

Eu, que pensava ter tudo nas mãos,

Que conseguia tudo fazer,

Se assim me dava na telha,

Se assim me ensinava o coração.

Eu, que jurava conhecer as pessoas,

Por dentro de todas as discórdias,

Por dentro de todas as amarras,

Por aquilo que elas são.

Logo se percebe o medo de me envolver

Na vida como ela é,

Na vida que veio ensinar.

Eu, que agora possuía as lembranças,

Precisava somente me encorajar.

Me encorajar é sempre tentar,

Me encorajar é me independer,

Me encorajar é muitas vezes

Deixar de ser eu, pra ser você,

Pra entender.

Eu, que podia ter tudo que queria.

Dolores Puga Alves de Sousa